Indústria Petrolífera: Uma visão sobre a indústria

Este artigo é o primeiro da série “Indústria Petrolífera”, onde serão explorados vários temas para que o leitor vá adquirindo sensibilidade no que diz respeito tanto à análise de notícias como à análise de empresas relacionadas diretamente e indiretamente com o setor. No final do artigo, o leitor terá uma visão macroeconómica sobre a indústria do petróleo, o que poderá fazer despertar o seu interesse no tema para uma análise microeconómica. 

O petróleo é líder no setor da energia e, sem dúvida, uma das matérias primas que têm maior impacto no quotidiano da população mundial. No final de 2019, a procura mundial de petróleo atingiu um máximo (absoluto) histórico em cerca de 100 mb/d (milhões de barris diários). A procura de petróleo tem uma correlação positiva forte com o PIB mundial que, em 2020, sofreu uma queda estimada de 3,5%, fazendo com que a procura de petróleo caísse cerca de 9%. 

Estrutura do setor petrolífero

Este setor está dividido em três sub-setores: 

  • Upstream – empresas relacionadas com a exploração e extração de petróleo e gás natural (E&P);
  • Midstream – transporte de crude (petróleo bruto) e de produtos refinados através de navios, pipelines, comboios e camiões;
  • Downstream – empresas relacionadas com operações de refinação e comercialização (R&M), que envolvem a transformação do petróleo bruto em diversos produtos refinados prontos para comercialização. 

Assim, ao analisar uma empresa petrolífera, a primeira coisa a fazer será situá-la neste plano. Para além das empresas que se concentram especificamente em cada um destes subsetores, temos ainda empresas que cobrem todos eles, denominadas de companhias petrolíferas integradas. Para além disto, é importante salientar que os nomes de algumas destas empresas são licenciados para aparecerem em postos de gasolina. 

Nesta indústria existe uma tendência para a terceirização de certos serviços especialmente relacionados com as empresas de E&P na exploração de campos petrolíferos. 

Os tipos de Petróleo e os Benchmarks do preço

Muitas vezes o petróleo é referido como um líquido standard, no entanto está longe de ser verdade. O produto extraído, no seu estado natural e não refinado, é conhecido como crude e poderá enquadrar-se numa matriz de classificação dependendo da sua viscosidade (nível de fluidez) e volatilidade/toxicidade (facilidade com que evaporam). Os principais tipos de petróleo são: 

  • Light oils – são líquidos que evaporam com muita facilidade, logo requerem um maior controle durante o processo de extração, para assegurar que as perdas sejam reduzidas durante o processo. Este tipo de petróleo é característico da região do médio oriente;
  • Medium oils – este é o tipo de crude é o mais comum com baixa volatilidade e acompanhada de uma viscosidade maior. Exemplos deste tipo de petróleo são o Brent e o WTI
  • Heavy oils – estes são os menos voláteis e mais viscosos e por esta razão requerem mais energia na sua extração e uma maior exigência tecnológica aquando do seu processamento. Este tipo de petróleo é característico do Canadá, da Venezuela e em menores quantidades nos EUA; 

Assim, o crude pode ir desde um líquido muito fino e volátil até um semi-sólido espesso e pesado.  

Estas características são especialmente importantes porque vão determinar as rotas e os principais pontos estratégicos de comércio. Este tópico é essencial para as empresas Midstream que intervêm no fluxo setorial antes e após a refinação. Os crudes mais pesados serão transformados em refinarias complexas, que existem em menor número devido à exigência tecnológica. 

Existem dois benchmarks principais do preço do petróleo:

  • O Brent que se refere ao crude do Mar do Norte é o índice do preço do petróleo na Europa e é transacionado na bolsa de Londres; 
  • O West Texas Intermediate (WTI) é o índice do preço do petróleo dos EUA que opera na bolsa de Nova York. 

Curiosamente o WTI tem uma qualidade superior ao  Brent mas cota a um preço inferior. Este facto não está relacionado com os custos de transporte, que são inferiores no Brent, mas sim com os avanços tecnológicos no Fracking (processo de E&P do WTI). Anteriormente à revolução do petróleo de xisto, produzido através do fracking, o Brent era mais barato que o WTI mas com o crescimento da produção nos EUA de 2014 a 2015, o preço médio do petróleo desceu dos 100$ para os 50$. Assim, um conceito importante na indústria do petróleo é o spread WTI-Brent que, em tempos de crise e incerteza política global, tende a aumentar devido a movimentos do lado do Brent, já que o WTI está limitado aos EUA. 

Tipo de Produção 

O tipo de produção está diretamente relacionado com os custos de produção que podem variar em grande escala, dependendo do tipo de processo e da zona do globo. Ao ler esta secção é necessário perceber que os projetos de produção de petróleo têm uma elevada flexibilidade em termos de timing de produção. Isto significa que, à medida que o preço vai caindo, certo tipo de explorações, em determinados pontos do globo, deixam de ser rentáveis e a exploração só pode ser retomada se o preço do petróleo voltar a encontrar-se acima de certo nível. Por outro lado, quando o preço do crude se encontra em níveis elevados, certo tipo de explorações, como no Alasca e no norte da Rússia, que têm custos de produção elevados, passam a ter uma exploração rentável. 

Onshore – refere-se aos processos de extração em terra que, por norma, são mais eficientes em termos de custo e são mais fáceis de implementar. Este tipo de exploração é característico da região do Médio Oriente. 

Shale (tight) Oil – este tipo de exploração veio revolucionar a indústria petrolífera com a técnica de fracking (fraturamento hidráulico). Foi introduzido em 2004, no entanto, apenas se tornou rentável a partir de 2009. Esta técnica de perfuração e exploração é característica dos EUA e é o motivo pelo qual o WTI passou a transacionar a níveis inferiores ao Brent. Cerca de 78% destes depósitos encontram-se nos EUA e são de elevada qualidade, durante a sua exploração são feitas fracturas nas camadas da crosta que contêm bolsas de crude envolvidas em rocha pouco permeável, normalmente xisto (shale). 

Oil Sands – Este tipo de exploração ocorre em depósitos denominados de areias betuminosas e são característicos do Canadá e Venezuela. O tipo de crude que encontramos nestes locais é demasiado espesso para fluir por si só. No Canadá 20% deste tipo de depósitos são encontrados à superfície e apenas 3% são exploráveis devido aos impactos ambientais que resultam do processo de mineração. Os restantes 80% encontram-se a uma profundidade elevada e então requerem outros métodos como o Steam Assisted Gravity Drainage (SAGD) e o Cyclic Stream Simulation (CSS) que são semelhantes entre eles. Nestes processos é injetada água com areia e aditivos a alta pressão e temperatura que acabam por derreter os blocos de betume. A mistura do crude com a água é posteriormente extraída até à superfície com a ajuda de uma bobina de extração. 

Offshore – este termo está associado à exploração petrolífera que ocorre em alto mar. Este tipo de exploração divide-se em 3 tipos principais: Shallow Water (dos  90 aos 305m de profundidade), Midwater e Deepwater (dos 305 aos 2130m) e Ultra Deepwater (dos 2130 aos 3650m). Apenas a partir de 2008 é que a exploração deepwater e ultra deepwater se tornou rentável.

Processo de Refinação 

Após o processo de extração do crude, este terá de ser processado em produtos finais como propano, butano, gasolina, diesel, jet fuel e outros combustíveis pesados. Assim, como referido anteriormente, as refinarias variam no nível de complexidade (Nelson Complexity index). Enquanto que as rotas de comércio dos produtos refinados são delineadas pelas necessidades de consumo, as rotas de comércio que dizem respeito à transação do produto bruto são definidas não só pela necessidade de consumo das regiões próximas às refinarias (para reduzir custos de transação) mas também pelo nível de complexidade das mesmas. 

Existem dois tipos de refinação, simples e complexa. A refinação simples não altera a estrutura química da matéria prima, o crude é colocado numa torre de destilação que por ação do calor divide o produto bruto em frações com os mais leves no topo e os mais pesados no fundo. Por outro lado, a refinação complexa envolve a conversão e upgrading de produtos intermediários do processo de destilação inicial em produtos finais de maior valor.   

A configuração das refinarias é especialmente importante pois introduz conceitos como:

  • Flexibilidade da matéria prima – as refinarias mais simples estão dependentes do crude leve como matéria prima, enquanto que as refinarias mais complexas têm flexibilidade de processamento sob uma gama mais extensa de crudes desde o fino leve ao espesso pesado. Assim, conseguem não só beneficiar do spread do preço entre o crude médio (como o WTI e o Brent) e os crudes pesados de menor preço ( como o Urais ou o Mexican Maya Crude Oil) como também do alargamento do spread temporário entre os crudes leves e entre os crudes pesados;   
  • Flexibilidade da Yield do produto – as refinarias simples têm rendimentos do produto menos flexíveis, ou seja, uma menor capacidade de passar crudes pesados para um produto final mais caro pela falta de unidades de conversão (“crackers”). Como as refinarias complexas incluem estes crackers é possível alcançar uma maior proporção de produtos mais caros. 

Assim, a complexidade de uma refinaria não se limita ao facto de poder processar petróleo bruto pesado e espesso (porque muitas refinarias complexas podem não processar crude pesado e espesso), em vez disso, o nível de complexidade contempla tanto a flexibilidade da matéria prima como a capacidade de converter produtos de menor valor em produtos de maior qualidade, capturando assim o prémio da conversão (crack spread).  

As maiores reservas do mundo 

Fonte: HowMuch

Assim, através do gráfico, é possível deduzir que o país com maiores reservas do mundo é a Venezuela com um valor estimado de 300,9 mil milhões de barris, sendo estas maioritariamente constituídas por areias betuminosas em semelhança com o Canadá. Os depósitos de oil sands na Venezuela são significativamente menos viscosos, o que acaba por ser uma vantagem considerável, já que grande parte podem ser explorados através de métodos convencionais. Em segundo lugar temos a Arábia Saudita com 266,5 mil milhões de barris, um valor marginalmente inferior ao da Venezuela, já que todos os seus depósitos são acessíveis através de métodos convencionais com acesso a enormes campos petrolíferos. Para fechar o pódio, temos o Canadá, com 169,7 mil milhões de barris, dos quais a porção mais relevante se encontra na região de Alberta.


No segundo artigo sobre a indústria petrolífera, a publicar brevemente, iremos abordar os principais drivers do preço do petróleo.

Autor: Miguel Ricon Ferraz

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