A ilusão dos produtos de capital garantido

Quando se fala em investir e se pergunta aos novos investidores os seus principais receios, a questão “risco de perder dinheiro” vem logo ao de cima e isso afasta-os, naturalmente, dos produtos sem capital garantido. A questão da gestão de risco já foi abordada num outro artigo, disponível aqui, mas agora vamos aprofundar mais a questão dos produtos de “capital garantido”.

O que significa ter capital garantido?

O facto de um produto de poupança ter a indicação de “capital garantido” significa que o dinheiro que lá colocarmos não desparece nem baixa de valor, pelo menos de forma absoluta. Se colocarmos 1.000€ num determinado produto de capital garantido, então esses 1.000€ estarão lá sempre, independentemente do que aconteça, ou pelo menos é isso que se espera. Claro que sobre estes 1.000€ iremos ganhar algum eventual juro que o produto pague.

A conjugação das palavras “capital garantido” fazem brilhar os olhos dos portugueses, de uma forma geral, já que veem neste tipo de produtos a única forma de colocar o seu dinheiro “de lado” e, muitas vezes, sem saberem muito bem o que significa e onde estão realmente a colocar o seu dinheiro ou quem garante a sua segurança e o seu capital garantido.

Quem garante o capital?

A resposta a esta questão depende largamente do produto em que questão, mas em primeira instância será a própria entidade que comercializa o produto, normalmente bancos ou seguradoras. Essas entidades, devidamente auditadas pelas autoridades competentes têm a responsabilidade de garantir que o dinheiro colocado nesses produtos está efetivamente disponível para ser levantado se assim o quisermos.

É importante termos em mente que o negócio dos bancos é gerir dinheiro. Os bancos utilizam o dinheiro dos depositantes para emprestar a quem pede crédito. Pelo meio ganham os seus juros dos créditos e pagam os juros dos depósitos. É tudo uma gestão financeira equilibrada e delicada para garantir ambos os lados têm as suas responsabilidades cumpridas e asseguradas. Isto significa então que os bancos, por exemplo, devem ter esta gestão financeira bem feita para garantir que nenhum depositante fique sem o seu dinheiro se o quiser levantar. No entanto, e visto que os bancos emprestam uma parte do dinheiro depositado, se todos corrermos ao banco a levantar todas as nossas poupanças, então criamos um problema. De acordo com notícia do ECO, em dezembro de 2021, os portugueses tinham mais de 170 mil milhões de Euros em depósitos e claro que os bancos não têm exatamente esse valor disponível.

Então e se alguma coisa correr mal nesta gestão? Nesse caso entra o estado e o seu Fundo de Garantia de Depósitos para fazer face aos levantamentos dos depositantes. De acordo com o próprio site, “O Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) garante o reembolso dos depósitos constituídos nas instituições de crédito suas participantes caso se verifique uma situação de indisponibilidade de depósitos nalguma dessas instituições. O FGD pode também intervir no âmbito da execução de medidas de resolução aplicadas a instituições de crédito que nele participem.” e tinha, a 31 de dezembro de 2020, mais de 1.600 milhões de Euros disponíveis para este efeito.

Vamos a um cenário ainda pior e um caso em que nem o banco nem o Fundo de Garantia de Depósitos tem dinheiro suficiente para devolver aos depositantes. O que acontece? Mais uma vez, o FGD responde: “Se os recursos financeiros do FGD se mostrarem insuficientes para o cumprimento das suas obrigações (nomeadamente, caso o valor a pagar pelo FGD para o reembolso de depósitos de uma ou várias instituições de crédito suas participantes seja superior ao montante de recursos financeiros disponíveis), poderá o FGD cobrar contribuições especiais às instituições participantes ou contrair empréstimos, designadamente junto de outros sistemas de garantia de depósitos, do Banco de Portugal ou do Estado.”

Resumindo, se tudo correr mesmo mal, então o Estado garante, em último lugar o cumprimento destas obrigações.

Porque é que o capital garantido pode ser uma ilusão?

A primeira parte da ilusão do capital garantido foi falado no artigo mencionado no início deste artigo, já que 1.000€ hoje valem mais do que 1.000€ daqui a uns anos, por causa da famosa inflação. É por isso que é importante dizermos que em valor absoluto o capital está garantido, no entanto, em valor relativo nem por isso.

Posto isto, será que o capital está realmente garantido? Se quiséssemos dizer que estava realmente garantido então teria de haver uma taxa de juro igual à inflação anual e assim sim garantíamos que o nosso poder de compra se mantinha. De que nos serve colocar um bom pé-de-meia de 10.000€ agora se quando precisarmos dele daqui a uns anos ele comprar muito menos do que 10.000€ de “coisas”? É uma proteção relativamente fraca, parece-me.

A segunda parte da resposta, prende-se com a responsabilidade de reembolso em caso de incapacidade da instituição onde temos o produto. Vimos há pouco que, em última instância, será o Estado a garantir o cumprimento destas responsabilidades. Para ilustrar o porquê de o capital garantido poder ser, a meu ver, uma ilusão, vamos falar de um produto específico

Certificados do Tesouro: uma obrigação “disfarçada”?

Os famosos certificados do tesouro, a par dos igualmente famosos certificados de aforro, têm captado muito interesse dos portugueses para aplicarem as suas poupanças e porquê? Muito à custa desta frase que consta nas informações do produto: “Garantia da totalidade do capital investido”, o famoso “capital garantido” como temos vindo a falar.

À data de escrita deste artigo, de acordo com o site do Banco CTT, este produto tem uma duração de 7 anos com uma taxa crescente que começa nos 0,70% no primeiro ano e vai até aos 1,60% no último ano, acrescido de um prémio de remuneração se deixarmos o dinheiro lá durante, pelo menos, 3 anos. Em termos de levantamento, apenas temos restrições no primeiro ano, e depois podemos levantar a qualquer altura.

O que são “certificados do tesouro”? O Banco CTT também explica: “(…)ao subscrever Certificados do Tesouro Poupança Valor, está a emprestar dinheiro ao Estado Português. É o Estado Português que garante que vai receber de volta toda a sua poupança e os juros a que tiver direito.”.

Resumindo, os Certificados do Tesouro são empréstimos que fazemos ao Estado Português. Para mim, empréstimos a estados, seja português ou outro, têm outro nome: chamam-se Obrigações do Tesouro.

O nome é muito parecido, mas são diferentes, é verdade. Há duas grandes diferenças:

O Capital Garantido

O famoso “capital garantido” apenas existe nos certificados e não nas obrigações. Isto significa que, teoricamente, podemos investir nas Obrigações do Tesouro e perder o nosso dinheiro por falta de reembolso ou por desvalorização bolsista, já que as Obrigações são transacionadas em mercados financeiros e podem ser compradas e/ou vendidas a diferentes preços. No entanto, se comprarmos no início do prazo e aguentarmos até ao fim, isto não se aplica, assumindo, claro, que o Estado não falha no reembolso.

As taxas de juro

Como vimos atrás, os Certificados do Tesouro estão com taxa de juro crescente até aos 1,6%. Uma rápida consulta ao site do IGCP e vemos que em 2022 tivemos emissão de obrigações do tesouro com taxas bastante superiores:

  • Em fevereiro de 2022: 2.125%
  • Em março de 2022: 4,125% e 2,25%

Se formos ao mercado secundário, através dos tais mercados financeiros que falamos há pouco, ainda conseguimos encontrar algumas Obrigações emitidas em 2014 com taxa de juro 5,65%, por exemplo.

Conclusão

Os produtos de capital garantido são, a meu ver, extremamente importantes de termos numa carteira diversificada e devem ser usados para o chamado “fundo de emergência”, assumindo que está colocado num produto facilmente mobilizável e que podemos usar, lá está, numa emergência.

No entanto, e na minha opinião, devemos estar bastante mais atentos quando estamos a falar de outro tipo de investimentos, principalmente falando a longo prazo. No exemplo falado acima sobre “Certificados de Tesouro” vs. “Obrigações do Tesouro”, e assumindo que quero manter o produto até ao final do prazo, e sabendo agora que ambos são instrumentos de empréstimo ao estado, porque havemos de nos contentar com 1,6% nos certificados quando podemos ganhar o dobro, ou mais, disso, nas obrigações? Sim, é verdade, que o capital não é garantido nas Obrigações, mas vamos ser realistas: se o Estado falhar o reembolso das Obrigações, é muito provável que vá falhar também o reembolso dos Certificados, certo?

Com este artigo não quero, de nenhuma forma, minimizar os Certificados de Tesouro ou promover as Obrigações de Tesouro. São produtos diferentes, com características diferentes e cada um de nós vai-se sentir mais inclinado para um dos lados.

O alerta que quero deixar é, como habitualmente, este: conhecermos os sítios onde colocamos o nosso dinheiro e pensarmos criticamente sobre isso faz, ou deve fazer, parte do nosso dia a dia porque só assim conseguiremos aumentar os nossos resultados.

Disclaimer

Este artigo reflete apenas a minha opinião enquanto educador financeiro e investidor e nunca deve ser entendido como nenhum tipo de recomendação de investimento em qualquer um dos produtos ou classes de ativos mencionadas.

Termos um Portugal financeiramente mais culto inclui também que cada um de nós tome as suas próprias decisões financeiras de forma totalmente consciente e informada.

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