Quantos milhões foram e quantos mais serão injetados na TAP?

Infelizmente, não é caso raro encontrarmos empresas com capitais próprios negativos que se “arrastam” durante anos, em particular em Portugal. 

Citando Brealey, Myers e Allen (Corporate Finance), “não é por uma empresa ter dificuldades que irá à falência, basta ser capaz de captar fundos suficientes para pagar os juros do endividamento, arrastando-se assim durante anos”, num género de uma bola de neve.

E a TAP é um desses exemplos, os problemas já vêm desde há muito tempo, tendo a pandemia sido só mais um de muitos. O grupo vem de anos e anos consecutivos em falência técnica (ou seja, com Capitais Próprios negativos) cada vez mais agravada e só atenuada devido a prestações suplementares por parte dos sócios e injeções de capital pelo Estado. 

Para o verificar basta comparar os 1.154 milhões de euros negativos de Capital Próprio em 2020 com os 468 milhões negativos em 2021, enquanto, por outro lado, os Resultados Líquidos se deterioraram de 1.230 milhões negativos para 1.599 milhões de euros também negativos. Sendo que não houve nenhuma alteração demasiado significativa nas rúbricas do ativo e passivo, é evidente que esta “melhoria” em quase 60% (mas mesmo assim, continuando em falência técnica) se deveu às injeções de capital.

Mais concretamente, foram em 2021 injetados pelo governo através de um aumento de capital 536 milhões de euros, este ano estão mais 990 milhões planeados, e, segundo o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, os apoios ao grupo TAP irão atingir os 3.200 milhões de euros, ou por outras palavras, cerca de 25% do orçamento anual de todo o Serviço Nacional de Saúde.

A pergunta que se faz é se fará sentido (mais) um plano de reestruturação, onde quem assume o risco em grande parte são os contribuintes portugueses. Passaram-se quase 20 anos a discutir e preparar a privatização da TAP, para ser revertida ao fim de 3 e agora estar novamente a ser discutida.

De qualquer modo, para ser feita uma reestruturação competente esta deve ser feita por segmentos, sendo que a empresa também opera por segmentos, e localizar os principais problemas, que é claro o maior de todos ser a Manutenção e Engenharia Brasil, desde a sua aquisição, vindo a causar mais de 500 milhões em prejuízos acumulados nos últimos 10 anos.

As demonstrações financeiras da TAP são, de facto, curiosas e interessantes de analisar, começando pela explicação do aumento exponencial de Ativos Fixos Tangíveis (ou seja, essencialmente os aviões) entre 2018 e 2019, passando estes de 521 milhões para 3.026 milhões de euros. Tal deveu-se simplesmente à aplicação pelo grupo da IFRS 16 em substituição à Norma Internacional de Contabilidade 17, obrigando assim a registar os ativos em locação operacional no balanço e a depreciá-los. Estes que previamente não constavam em nenhuma rúbrica para além de as respectivas rendas serem consideradas em Fornecimentos e Serviços Externos (FSE), na Demonstração de Resultados.

Daí vem a explicação do grande aumento tanto de AFTs como de Passivo remunerado no Balanço, e como do EBITDA na DR que passou a ser positivo, mas não passando de uma ilusão, pois os gastos que anteriormente eram registados em FSE “desapareceram” transformando-se em gastos financeiros, só contabilizados depois de apurado o Resultado Operacional da empresa.

Esta é uma situação importante de compreender, sendo que a maior parte dos aviões do grupo são detidos em regime de locação, e que os Ativos Fixos Tangíveis representam quase 63% da totalidade do ativo (no final de 2021), logo em situação de falência declarada judicialmente estes não fariam parte da “massa falida”, por serem propriedade jurídica do locador.

Mas um dos principais problemas do grupo, como já foi mencionado, é, de facto, a Engenharia e Manutenção Brasil, uma empresa já falida adquirida pela TAP em 2005 e que ao longo dos anos continua a acumular prejuízos significantes, mas mesmo assim continua a estar registado um goodwill a seu respeito num valor de mais de 100 milhões de euros. Sendo que simplificando a definição de goodwill este representa a expectativa futura de lucros, dá que pensar como ao fim de mais de 15 anos e muitos milhões de prejuízos contínua registado um goodwill neste montante sem sofrer imparidades significativas.

Resumindo, e de forma segmentada, tal como deveria a reestruturação ser feita, o segmento do Brasil tem vindo a ser um grande responsável pela degradação do Capital Próprio do grupo, a Groundforce representava um igual problema até 2012, altura em que foi privatizada e começou a gerar resultados positivos de forma consistente, e, para terminar, o segmento da aviação revela sinais de overtrading (como por exemplo, entre 2017 e 2019 os gastos com pessoal cresceram 25% e as vendas apenas 12%, crescimento totalmente desproporcional) e a alavancagem é negativa (os gastos financeiros são superiores à rentabilidade obtida), servindo apenas para cobrir os juros do endividamento. 

Autor: Rafael Ferreira

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