Num ano marcado pela pandemia Covid-19, onde a globalização deu lugar a lockdowns e restrições económicas, nenhum outro ativo sofreu tantas disrupções nas dinâmicas de oferta e procura, como as commodities.
O que está em causa
Mesmo começando o ano em baixa, devido a um choque na procura e pela incerteza da pandemia, as commodities conseguiram dar a volta de uma forma impressionante.
Os preços da soja e do milho dispararam, o cobre atingiu um máximo que lhe escapava há 8 anos, e até o petróleo, que em tempos chegou a estar em território negativo, recuperou de uma maneira bastante sólida.
Resta saber: será este apenas um movimento de curto prazo, ou poderemos esperar o início de um ciclo ainda maior?
Para muitos grupos financeiros, entre os mais conceituados, a JPMorgan Chase & Co. e a Goldman Sachs, a expetativa numa recuperação rápida pós-pandemia, derivada da política fiscal e monetária agressiva a que se tem assistido, está entre as principais razões pela qual a procura de commodities, e o seu subsequente preço, poderá disparar.
O que nos diz a história
Um superciclo de commodities pode ser definido como um longo período de tempo, durante o qual a procura de um determinado conjunto de commodities é bastante elevada, levando a um aumento significativo nos seus preços.
Durante os últimos 100 anos, existiram 4 superciclos. A industrialização dos Estados Unidos, no final do século 19, a reconstrução da Europa e do Japão no pós-guerra, ou ainda a industrialização e urbanização de países como a China, o Brasil, a Rússia, entre outros, no final do século 20, foram as principais forças por detrás destes superciclos nas commodities, em particular, nos metais industriais.
O último ciclo, que começou em meados de 1996, teve o seu pico em 2008, depois de 12 anos de expansão. Curiosamente, precisamente 12 anos depois, em 2020, regista-se o preço mais baixo no índice de commodities dos últimos anos, seguido de uma forte recuperação.
Estaremos, então, no início de um possível superciclo? Analisemos alguns factos.
Principais fatores que influenciam um superciclo
US Dólar e inflação
Recentemente, temos observado uma série de programas expansionistas levados a cabo pelos bancos centrais, com o objetivo de colmatar os danos causados pela pandemia, muitas vezes através da impressão de dinheiro e de gastos públicos.
Por sua vez, estas medidas têm levado a uma sucessiva desvalorização da moeda mais importante nas transações económicas: o dólar. Consequentemente, quanto menor o seu valor, mais dólares serão necessários para comprar ou importar a mesma quantidade de um dado produto, elevando, assim, o seu preço. As commodities têm, por isso, uma forte correlação inversa com o valor do dólar americano.
Para além disso, com as crescentes preocupações relativamente a elevados níveis de inflação, devido a grandes quantidades de dinheiro em circulação, o investidor tem cada vez mais procurado elementos que lhe possam conferir segurança perante as perdas da desvalorização da sua moeda, voltando-se, assim, para as commodities, como forma de se proteger da inflação.
Um aumento significativo na procura e pouca oferta
À medida que os países cumprem com os seus planos de vacinação e diminuem os seus números de casos ativos, o otimismo numa recuperação forte e rápida, quando se reabrir a economia, alimenta expetativas de um boom na procura destas commodities, à semelhança do que se verificou em superciclos passados.
Ao mesmo tempo, prevê-se que a oferta, que já estava no limite em níveis pré-covid, não consiga acompanhar a procura, devido aos confinamentos e subsequentes reestruturações empresariais inevitáveis. Um bom exemplo, é a recente “chip shortage”, reportado pela CNBC, no dia 10 de fevereiro, que está a atrasar significativamente a produção de todos os produtos dependentes de processadores, como automóveis e gadgets tecnológicos.
Para já, tem sido a China a liderar a procura, tendo já importado metais como cobre e alumínio a níveis recorde para o país. Curiosamente, foi também a China a primeira grande economia a recuperar dos efeitos da pandemia, registando um crescimento de 2,3% PIB em 2020. Um pequeno indício, portanto, do que poderemos esperar quando o resto do mundo recuperar.
Políticas Ambientais
A crescente preocupação com o ambiente tem levado a uma série de políticas agressivas no sentido de incentivar a transição energética que todos procuramos. Por isso, são cada vez mais os países e empresas que têm estabelecido objetivos para a redução de atividade poluente. Para além disso, os Estados Unidos, com a sua nova administração, já renovaram o seu desejo de voltarem a ser um peso pesado na luta pela neutralidade de carbono.
Contudo, esta revolução não se fará sozinha. Materiais como cobre, níquel, lítio, prata, entre outros, poderão ver a sua procura aumentar exponencialmente, não só com a construção de infraestruturas que produzem energias renováveis, mas também com a proliferação de células solares e baterias por exemplo.
Conclusão
Em suma, nada é certo no mundo dos mercados financeiros, muito menos num mercado de commodities, completamente à mercê das leis da oferta e da procura. Tudo pode mudar de um dia para o outro, como se viu durante a pandemia.
Contudo, dado o atual clima de estímulos económicos, de confiança nas vacinas e
na recuperação económica, e de temas prioritários como o ambiente finalmente em cima da mesa, os dados estão lançados para um possível superciclo de commodities, com destaque para todo o tipo de metais industriais. De resto, apenas o tempo o poderá confirmar.
Autor: Francisco Bentes