Após o chumbo do Orçamento do Estado (OE) para 2022 e a consequente queda do Governo de António Costa, foram agendadas eleições legislativas para o dia 30 de janeiro de 2022 com o objetivo de devolver a escolha aos portugueses de como querem a configuração do parlamento português para os próximos 4 anos. A época que antecede as eleições é marcada pela apresentação das propostas que os vários partidos têm para o país, através dos programas eleitorais, e também é quando os partidos entram em confronto em debates diários nas televisões e rádios para tentar esclarecer ao máximo os eleitores.
Em 2020, Portugal atingiu um máximo histórico na carga fiscal, chegando aos 70,4 mil milhões de euros que representam 34,8% do PIB. Motivados por esse facto, em matéria de fiscalidade, praticamente todos os partidos defendem um alívio do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS). A maioria dos candidatos às legislativas pretende manter a estrutura atual do imposto (mudando apenas os escalões, as taxas a aplicar e as deduções possíveis), mas há também propostas mais ousadas, de reforma estrutural da forma como é cobrado este imposto.
O objetivo deste artigo é explicar uma das propostas mais polémicas apresentadas para estas eleições, a chamada flat tax, que é apresentada pelo partido Iniciativa Liberal e também pelo Chega (embora este último não detalhe a concretização da medida).
A taxa única de imposto sobre o rendimento, também conhecida pelo seu termo anglófono, flat tax, é um sistema fiscal que aplica a mesma taxa de imposto a todos os contribuintes, independentemente do seu rendimento. O formato da medida varia de país para país, podendo existir uma taxa fixa aplicada a todos os contribuintes sem isenções permitidas, até sistemas de várias taxas fixas que mantêm certas deduções em vigor.
Este último caso é a ideia que a Iniciativa Liberal (IL) traz para estas eleições: um sistema de duas taxas – 15% para rendimentos até 30.000€ e 28% no remanescente – que inclui uma dedução mensal de 664€ para todos os contribuintes e uma dedução adicional de 200€ mensais por filho dependente e por progenitor.
Vamos, então, às contas que comparam o IRS pago mensalmente com a proposta do Orçamento de Estado para 2022 e a taxa única de 15% segundo a proposta da IL:
Rendimento mensal bruto | IRS (OE22) | IRS (15%) | Taxa efetiva (15%) |
750 € | 66,24 € | 12,78 € | 1,70% |
1 300 € | 196,77 € | 95,28 € | 7,33% |
1 500 € | 252,17 € | 125,28 € | 8,35% |
2 000 € | 414,17 € | 200,28 € | 10,01% |
5 000 € | 1 561,33 € | 650,28 € | 13,01% |
Para efeitos de simplificação do complexo sistema atual, assume-se que todos os casos da tabela correspondem a um contribuinte solteiro e sem filhos. Também não estão incluídos descontos para a Segurança Social e os valores dos descontos assumem o valor final anual a pagar de IRS a dividir por 14 meses. Os valores das contribuições com o OE para 2022 foram retirados das simulações da Ernest & Young e assumem os seus pressupostos (exclusivamente rendimentos da categoria A e sem deduções à coleta).
A proposta da Iniciativa Liberal prevê que a taxa de 28% acima dos 30.000€ anuais seja apenas transitória, e o seu objetivo é mitigar a perda avultada de receita fiscal que uma medida desta natureza acarretaria. Para efeitos do exemplo com a tabela acima, foi apenas considerada a taxa de 15%, que é o objetivo final da medida – a flat tax.
Uma das vantagens apontadas pela Iniciativa Liberal e que fica evidente nesta tabela é o aumento de rendimento disponível depois do pagamento de impostos. Segundo o partido liberal, esse seria um incentivo para reter e fazer regressar trabalhadores qualificados que são essenciais ao crescimento económico. De facto, segundo dados de 2017 da OCDE e do professor do Instituto de Geografia e de Ordenamento do Território, Jorge Malheiros, 40% da emigração anual de portugueses representa pessoas com alto grau académico. Este fenómeno é chamado “fuga de cérebros” e é motivado pela existência de oportunidades profissionais mais favoráveis noutros países e pela busca de um estilo de vida mais elevado.
Esta medida tem, no entanto, um custo: 2 mil milhões de euros de impacto orçamental na receita estimada para 2022 (excluindo o efeito da expansão económica e respetivo aumento da base fiscal). Segundo contas da consultora Deloitte em 2020, o impacto da medida sem os efeitos da mitigação do regime transitório (28% para rendimentos superiores a 30 mil euros), chegaria até 3,5 mil milhões de euros em receita do Estado.
De acordo com o guia fiscal para 2021 da PwC, vigora atualmente em Portugal, e desde 2010, uma taxa fixa e única de 20%. Esta taxa é, no entanto, apenas destinada a residentes não habituais e é aplicada sobre os rendimentos derivados de atividades de “elevado valor acrescentado”. Este regime foi implementado, de acordo com o Jornal de Notícias, com o “objetivo de promover o investimento (estrangeiro e nacional) e aumentar a competitividade do país”.
Autor: Francisco Castro Silva